Marina Moura Peixoto: um som centenário

Por Antonio Castigliola e Fernando Moura Peixoto 

“O talento musical pode revelar-se mais cedo que outros, porque a música é algo inata, íntima, que não precisa de muito alimento exterior, de muita experiência derivada da vida.” 

 (GOETHE 1749 – 1832)

Menina prodígio – aos três anos e oito meses dava seu primeiro recital –, companheira inseparável de Perilo Galvão Peixoto (1913 – 2002), Marina Quartin de Moura – seu nome de solteira – também foi um marco na antiga Rádio MEC, Ministério da Educação e Cultura, aonde chegou a chefiar o setor musical da emissora, que era uma referência de qualidade na radiofonia brasileira.

Produtora dos programas “Atendendo aos Ouvintes”, “Em Resposta a Sua Carta”, “Música de Todos os Tempos”, “Música, Apenas Música” e “Quartetos” – todos de maior sucesso, ela ingressou na Rádio MEC em 1941. Além de produtora musical, também escrevia sobre o tema. Teve artigos estampados no jornal “Diário de Notícias”, publicando textos, nos anos 1950, sobre “O Saxofone na Música Erudita” e a “A Mulher na Composição Musical”. Neste último, registra todas as compositoras que marcaram época no panorama musical erudito mundial.

Em 1932, como emérita pianista, recebeu a Medalha de Ouro do Instituto Nacional de Música, por unanimidade de votos, com apenas 15 anos. Desde cedo impressionava público e especialistas, sendo saudada pela mídia de então como “pianista minúscula”, “Marina criança” e “Marina artista”.
Acerca de seu talento precoce, em abril de 1924, a revista “O Beija- Flor” fez o seguinte comentário: “Marina Moura, filha do Sr. Eduardo José de Moura Filho [1867 – 1948], é uma mimosa e excepcional pianista carioca que tem pasmado assistentes entendidos, em recitais que vem realizando desde os quatro anos de idade, na Associação dos Empregados do Comércio, no Theatro Municipal e no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, conquistando sucessivos triunfos”.

Tão fascinada ficou com o talento precoce da iniciante pianista (tinha apenas cinco anos) Marina Quartin de Moura, que Laurinda Santos Lobo (1878 – 1946) – promotora das artes e da cultura na ‘belle époque’ carioca, “a marechala da elegância” – emocionada após ouvi-la tocar, presenteou-a com um piano para que pudesse desenvolver melhor seu talento.

Em outubro de 1956, aos 39 anos, chefe do setor musical da Rádio MEC, Marina Moura Peixoto, como bibliotecária, foi eleita na chapa vitoriosa para a diretoria da futura União dos Músicos do Brasil, encabeçada por José Siqueira (1907 – 1985) – presidente –, em assembleia geral realizada no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, ABI.

Os outros integrantes: Geraldo Miranda, Carlos de Almeida e F. Caldas Moreira, vice-presidentes; Helio Bloch, Carlos Meirelles e Valdemiro Alves, secretários, e Dante Fantauzzi, Henrique Morelenbaum e Alfredo Mello, tesoureiros. Como presidentes de honra, Heitor Villa-Lobos e Pixinguinha.

“Apoiada por centenas de músicos e abrangendo todas as especialidades, a União dos Músicos do Brasil começou sob os melhores auspícios”, noticiou então a cantora e cronista Héstia Barroso, na coluna ‘Música’, do jornal A Noite.

Mãe extremada e profissionalmente solidária com os amigos, em 1964, à época da eclosão da ditadura militar, conduzindo o setor musical da Rádio MEC, prestou depoimento no DOPS – o famigerado Departamento de Ordem Política e Social – arrolada testemunha de defesa de companheiros que eram apontados pelo novo regime como subversivos, entre eles, a professora Maria Yedda Leite Linhares (1921 – 2011) e o pesquisador musical e compositor Hermínio Bello de Carvalho (1935-). Ambos seriam absolvidos.

Em duas crônicas publicadas por Artur da Távola (1936 – 2008) no jornal “O Dia”, em setembro de 1999, Marina Moura Peixoto e Perilo Galvão Peixoto – que produziu o programa “Ópera Completa”, de 1953 a 1956, na mesma Rádio MEC - foram incluídos na lista “Ave, Radialistas”, que destacava cerca de trezentos profissionais que fizeram o Rádio do século 20. Escreveu então o jornalista: “Rádio, século 20. Pouca gente sabe agradecer ao rádio. O que fez, faz e fará pela alegria, distração, informação e cultura. Devemos ser gratos. Muito gratos aos radialistas. Fim de século! Século da televisão? Talvez. Sem dúvida, o século do rádio”.

Arnaldo José Senise (1945 – 2007), jornalista, musicólogo, pedagogo e pesquisador, autor de um livro sobre Guiomar Novaes (1894 – 1979), “A Volta da Primeira Dama do Piano”, considerava a arte de Marina “inimitável”.

Em 2005, entusiasmado, afirmou que “Marina tinha todas as grandes qualidades das pianistas excepcionais: tom, técnica, temperamento e lirismo, conduzidos sempre por uma inteligência musical bem preparada e cultivada”.

Entre as façanhas que atribuiu a Marina, além da precocidade artística – ela passou a concentrar-se na música não muito depois de ter nascido, em 27 de março de 1917, na Tijuca, no Rio de Janeiro – estava a de executar obras depois de apenas tê-las ouvido, sem ver a música. “É um dom extraordinário”, disse Arnaldo Senise, confirmando outro dote que também extasiava as plateias: a capacidade que tinha, ainda aos quatro anos incompletos, de identificar, de costas para o piano, e depois tocar os acordes sugeridos por pessoas presentes às audições.

O interesse de Senise pela vida e obra de Marina foi despertado ainda durante a diplomação dele pelo Conservatório de Música de Jaú, em São Paulo. Ao continuar seus estudos de piano, estética e análise musical com Sofia Mello de Oliveira (1897 – 1980) – discípula dileta de Luigi Chiaffarelli (1856 – 1923) – ouviu dela menções elogiosas a Marina Quartin de Moura – o Peixoto, no sobrenome, só viria em 1945, quando casou com o médico e jornalista Perilo Galvão Peixoto (1913 – 2002) e abandonou a carreira artística.

Autor do encarte da série “Grandes Pianistas Brasileiros”, Arnaldo José Senise levantava material para publicação de livro, acompanhado de CD, com gravações inéditas de Marina – a quem considerava uma das melhores intérpretes das obras de Chopin –, quando veio a falecer em 2007, inviabilizando o projeto.

Senise e equipe percorreram as várias capitais, entre elas, Aracaju, Maceió, João Pessoa e Vitória, aonde Marina fez ‘tour’ artístico levando sua “arte inconfundível e emocionante”. Recolhia documentos, pesquisava jornais da época, crônicas e artigos que foram publicados sobre a artista.
Pasme, a maior dificuldade ele encontrou exatamente na Rádio Ministério da Educação e Cultura, onde Marina se destacou como musicóloga e produtora musical, comandando, entre outros, os memoráveis programas “Atendendo aos Ouvintes” e “Em Resposta a Sua Carta”.

“Foi um trabalho árduo, de muito convencimento. Havia poucos remanescentes daquela época, algum material espalhado no arquivo morto, como fotos e ‘scripts’ dos programas. De gravação, uma muito especial: a das canjas musicais que ela dava para notáveis da época, entre eles, Roquette-Pinto (1884 – 1954), Heitor Villa-Lobos (1887 -1959) e Fernando Segismundo (1915 – 2014), só para citar alguns. As gravações, todas com músicas brasileiras, que vão engrossar o CD com o livro sobre a vida e obra da artista carioca, foram feitas a pedido de Roquette-Pinto, sem o conhecimento prévio de Marina” – informou então o jornalista.

“O depoimento mais emocionado foi o de Fernando Segismundo. Ele nutria grande apreço não só por Marina como também pelo seu marido, o médico, jornalista e radialista Perilo Galvão Peixoto, que também conduzia um programa [“Ópera Completa”] na mesma rádio em que a mulher trabalhava. Segismundo falou de uma Marina refinada, mas que era dotada também de grande simplicidade durante suas apresentações, onde mesclava sempre alegria e bom humor” – ressaltou.
Mas não é só Senise que tinha menções elogiosas a Marina. O jornalista, radialista e professor Reynaldo C. Tavares – autor dos consagrados livro e CD “Histórias Que o Rádio Não Contou” – também reverenciou a memória de Marina.

“Num país em que se cultuam apenas os fúteis artistas desprovidos de talento, mas prestigiados pela mídia tupiniquim, é gratificante ler sobre a vida e a obra da grandiosa pianista Marina Moura Peixoto. Sua história de vida, seu apego à arte, que ela tão bem traduziu nos acordes pianísticos que encantaram o Brasil afora, é uma história que merece ser sempre recontada”.

Referência nas faculdades de Comunicação, na cadeira de Rádio-Tele-Educação, Reynaldo Tavares referendou não só a presença de Marina como pianista, mas também o grande serviço que prestou à radiodifusão como produtora do programa “Atendendo Aos Ouvintes” na antiga Rádio MEC.
“Sem exagero é possível dizer que foi o primeiro programa interativo, de utilidade pública, difundindo arte, com trocas de informação com os ouvintes, que tinham nela sempre um referencial de qualidade e conhecimento” – contou o jornalista.

Marina Moura Peixoto morreu precocemente em 26 de fevereiro de 1975, vitimada por um câncer no estômago, um mês antes de completar 58 anos e após dedicar 33 anos de sua existência à Rádio MEC. Uma missa em homenagem a seu centenário de nascimento acontecerá neste 27 de março, segunda-feira, às 18h, na Igreja Matriz de São João Batista da Lagoa – a mais antiga da zona sul carioca (1809), situada na Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

“O passado só tem sentido quando vivo. O verdadeiro passado não é aquilo que não existe mais. É aquilo que conserva um sentido para as nossas vidas de hoje.”
- ANTONIO CASTIGLIOLA (1951 – 2010)

Texto: Antonio Castigliola (1951 – 2010) e Fernando Moura Peixoto (1946-)
Depoimentos a Antonio Castigliola

 Na trilha sonora do vídeo, “Carrossel” e “Entardecer no Bosque”, gravações de Marina Moura Peixoto feitas na década de 1940, em 78 RPM, em disco de acetato, preservado pela família.
-(Professora de Marina) (Montagem MGE)

Comentários

  1. Linda homenagem do blog MÚSICA DE FRONTEIRA a MARINA MOURA PEIXOTO. Ela merece pela pessoa extraordinária e boníssima que foi. Como filho, emocionado, agradeço à jornalista BRENDA MARQUES PENA a bela postagem.

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  2. Fiquei emocionada ao ler o artigo no blog. Super merecida a homenagem. Marina inesquecivel. Minha tia querida e admirada. Diana Galvao

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  3. Bela postagem que acompanha a trajetória de Marina como artista e como mulher!

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